domingo, 30 de outubro de 2011

O Professor ( Adaptada )

"O que aconteceu, minha querida?"

A resposta veio cheia de força e intensidade, bem no meio da bochecha esquerda.

"Eu não sou sua querida!"

O torpor tirara a fala de Arthur, que simplesmente olhara para ela, boquiaberto, cobrindo a parte atingida que ardia consideravelmente com a mão. Lua lhe apontou o dedo no meio do rosto, seu rosto estava inflado, corado e franzido. Ela estava uma fera.

Mas... Por quê?

"O que foi q..."

"O que foi que você fez?!" Ela gritou estrangulada, gesticulando forte. "Pergunte à sua amada Rayana Carvalho!"

"Quem?!"

Essa história fazia menos sentido cada vez mais.

"Não!" Ela berrou na cara dele, Arthur recuou "Não se faça de desentendido, Arthur!"

"Mas, do que é que você está falando, Lua?!"Ele berrou de volta, irritado por nem estar entendendo a situação e já estar sendo crucificado.

"Da sua viagem de negócios"Ela lhe cuspiu com sarcasmo carregado "É disso que estou falando!"
Lua caminhou até a secretária eletrônica e apertou o botão de mensagens, imediatamente após o bip a voz demasiadamente açucarada e enjoativa voltou a preencher o ar da sala.

"Oi Arthur, aqui é a Ray, Rayana Carvalho, você não se esqueceu de mim, não é? Bom, eu acho que não, afinal você repetiu tanto esse nome ontem, não foi moreno...?"

"O que é isso?" Arthur indagou confuso.

"Muito interessante o seu trabalho, Arthur. Realmente fascinante".
"Lua, eu não conheço essa mulher" Ele respondeu prontamente, encarando-a sério, tentando disfarçar a pequena felicidade que surgiu em seu peito ao notar que ela estava com ciúme dele.

"Claro, por isso ela te ligou pra agradecer as maravilhosas horas de prazer que vocês compartilharam ontem" Lua rebateu surpresa por usar a ironia tão bem mesmo imersa em tanto ódio. "Faz todo o sentido do mundo, porque eu não pensei nisso antes?!"
"Lua, olha pra mim" Arthur tentou se aproximar, mesmo sentindo que dessa vez, seus beijos e seu charme não conseguiriam resolver a situação, não no estado em que ela estava "Eu não conheço essa Rayana, eu nunca nem ouvi o nome dela. Eu entendo o que deve parecer, mas você não precisa sentir ciúme."

"Não é ciúme!" - A frase rasgou a garganta de Lua no exato momento em que a mensagem chegava ao fim, ela gritara, tentando sobrepor sua voz ao som metálico e pegajoso que saia da secretária "Eu me sinto enganada, você quebrou o contrato!"

"Quê? Você não está dizendo nada com nada!"

"Ah, você não se lembra?" Ela andava de um lado para o outro na frente dele, alucinada, secando os olhos o tempo inteiro com uma mão, tentando domar os cabelos com a outra, esquivando-se dele e ele a observava, tão surpreso que não conseguia reagir "Você disse, quando lhe fiz essa proposta idiota, você disse que aceitaria, se pudesse me fazer exigências... Ainda não se lembra? Eu me lembro de cada pequeno detalhe! Você me disse, abre aspas, nestes dois meses será só minha, assim como eu serei só seu. Compartilharemos disso juntos, fecha aspas. Lembra disso, Arthur? Como você pôde romper com o nosso contrato?!"

Então era isso, Arthur pensou consigo mesmo, sentindo os ombros pesarem, essa era a confirmação de que Lua enxergava todo o tempo que passaram juntos apenas como parte do plano, nada mais do que um negócio, como tantos outros com que lidava. E agora estava furiosa, não por ciúme, claro que não, apenas porque fora passada para trás, ou pensava que fora.
"Mas, eu já devia saber, não era? Você tentou me avisar, nesse mesmo dia, um pouco depois de ter dito isso, você me avisou..."

"Eu lhe avisei que eu não fazia jus à fama que me atribuíam. Eu lhe avisei que gostaria de assumir um compromisso com você!" – Frisou a última parte, na esperança de que ela entendesse que ele era absolutamente louco por ela e que no bolso dianteiro do seu casaco já havia uma caixinha aveludada, guardando uma jóia especialmente para ela, que combinaria tão bem com sua pele, com seu corpo delicado...

"Obrigada, mas acho que já aprendi o suficiente, professor" Lua respondeu com frieza, se aprumou, jogando os cabelos para trás, apanhou sua bolsa e caminhou em direção a saída do apartamento.

"Lua!" Ele a chamou, alterado, segurando-a pelo braço "Não fale assim comigo."

"Solte-me" Ela vociferou mais séria do que ele jamais a vira. Havia tanta decisão em seus olhos, tanta ira, que ela poderia, se assim o quisesse, matá-lo com o olhar.

"Lua, sente-se, vamos conversar, por favor" Ele pediu mais baixo, mesmo que as palavras dela o ferissem cada vez mais, o irritassem cada vez mais, ele tentava, a todo custo, não ser grosseiro, não passar dos limites com ela.

"Não sou uma das suas amiguinhas, Arthur" Ela lhe rebateu, as palavras se arrastavam através dos dentes cerrados "Não pode e não fará o que quiser comigo. Sou diferente delas."
"Eu isei que é!" Em agonia, ele estava em agonia. Ele sabia de tudo isso, entendera tudo isso, por isso queria casar-se com ela, ter filhos com ela. Ela era diferente, ela era única. Era sua de uma maneira que ninguém mais fora. Assim como ele fora dela.

"Então não me trate como uma delas. Solte o meu braço agora mesmo."

"Onde é que você vai, caso eu a solte?"

"Procurarei Pedro, é claro" Ela lhe respondeu com frieza, não sabia por que dissera isso, talvez realmente o procurasse, talvez não. Queria apenas mostrar pra ele que ela também não estava assim, tão escassa de opções. Ela também tinha seus admiradores. 

"Vai procurar o Pedrita?" Sem se conter de raiva, Arthur apertou a pressão dos dedos no braço dela, trêmulo.

"É, sabe. Estou mesmo com fome..." Ela sorriu cinicamente, ignorando o aperto no braço.

"Você não pode. Você é minha, Lua e sabe disso" Ele balbuciou ilogicamente. Falando alto o que seu cérebro repetia atordoado.

"Nosso contrato não é mais válido, Arthur. Você acabou com ele."

"Quer dizer que você vai atrás dele, pronta pra mostrar seus novos truques?" Ele cuspiu as palavras, irritado.
"É esse era o plano, não era?" Ela rebateu como se não ficasse abalada com as palavras dele.

"É, foi sempre o seu plano, nunca mudou?"

"Nunca" Ela mentiu descaradamente, Afinal, era advogada.

"Nem por um segundo?"

"Jamais me ocorreu que terminasse de outra forma" Ela endossou, uma lágrima escorreu por seu rosto, desmentindo-a.

"Eu nunca ouvi falar de Rayana nenhuma" Ele lhe respondeu, sem mais nada para dizer.

"Então onde é que você estava nesses três dias, se não estava dando aulas particulares de reforço?"

Ele a encarou, indignado. Estava sendo acusado de algo que não fizera e ela acabara de lhe jogar na cara que nunca se envolvera com ele e que nunca se envolveria. Não de forma emocional.

"Não importa mais"

Ele soltou o braço dela com violência e se afastou, cerrando os punhos, impedindo a si mesmo de agarrá-la e tomar seus lábios a força, vontade essa que ameaçava corroer seu corpo.

"Nada disso importa mais."

Lua o encara nos olhos, ele corresponde, talvez tenham dito muito mais naquele olhar do que na discussão, mas nenhum dos dois comentou nada, tudo o que ela disse, depois de subir a alça da bolsa mais para cima no ombro, foi:

"Concordo com você. Não importa. Não mais."
E o último som que ele ouviu foi da porta batendo atrás dela, antes de se deixar afundar no sofá, o bolso dianteiro do casaco parecia muito mais pesado agora, como se a aliança fosse feita de chumbo, puxando-o para baixo.
Como tudo tinha chegado aquela situação? Era o que Arthur se perguntava constantemente. Como de repente, aquele conto perfeito havia se transformado num futuro sem perspectivas?

Havia um mês que Lua fechara a porta de sua casa, saindo de sua vida, afirmando que iria correr para os braços de outro homem. Um mês.

Desde então, Arthur não sabia o que era ter um minuto de paz. Era um homem maduro e experiente, um homem que nunca tivera qualquer problema com mulheres, um homem que nunca pensara em compromisso. 

Nem namoros longos ele teve. Na verdade foram dois namoricos de três meses cada, quando ainda era um adolescente cheio de espinhas e fantasias
Agora ali estava ele, sentado em frente a sua mesa, com sete relatórios para analisar e pareciam estar escritos em árabe. Tudo por que há um mês ele não a via.

Na primeira semana ficou louco. Não queria dar o braço a torcer, afinal ela nem havia dado chances para ele se defender, simplesmente o julgou e foi embora gritando na sua cara que tudo tinha sido um mero acordo.

Um acordo? Acordo uma ova, não parecia um acordo quando ela gritava e tremia nos braços dele a noite inteira, ou suplicava para ser possuída.
Ele estava com o ego ferido demais para procurá-la, mas ainda assim seguiu os passos dela, nas sombras. Chay o ajudou, dizendo para ele o que Lua estava fazendo. Até onde soube, ela passara as duas primeiras semanas trancadas em seu quarto, sem atender ninguém e muito menos sair. 

E agora ele sabia que o maldito Pedro estava fora da cidade numa conferencia. Isto era a única coisa que lhe mantinha totalmente são, pois sempre que pensava em Lua nos braços de Pedro, seus piores instintos afloravam e muito lhe custava permanecer onde estava em vez de agir como um homem das cavernas e ir buscá-la pelos cabelos depois de assassinar Pedro brutalmente.

Fora acusado injustamente e isto estava lhe corroendo. Não fazia a menor idéia de quem fosse Rayana Carvalho, mas sabia que era armação. Tanto quanto sabia que o autor dela era Pedro. O golpe era baixo e mesquinho, assim como ele.

Pegou o telefone e começou a discar o numero dela, mas antes de terminar desligou o telefone com um baque surdo e sentou esfregando as mãos no rosto com impaciência. 

Vinha sendo assim todos os dias desde que romperam, dez, quinze, até mesmo vinte vezes ao dia. Ele ficava ouvindo as mensagens de texto que ela lhe mandara, algumas sutis, outras mais sensuais. Olhava as fotos que tinham tirado juntos, estava completamente enfeitiçado.

Em vez de ligar para ela, ligou para o irmão Lucas, tenente da Scotland Yard.

“Lucas, é Arthur. Alguma novidade?”

“Não Arthur, nada ainda. Eu ainda não consegui autorização para fazer uma busca. Mas tenho certeza de que o promotor autorizará hoje”.
-“Mas eu prestei uma queixa.”

-“Eu sei Arthur, mas acontece que a situação é inusitada. Tive que enfrentar muita gozação aqui. O pessoal não acredita que você deu queixa de trote, ainda mais um trote sensual como aquele. O promotor acredita que você dormiu com a garota e agora quer tirar o corpo fora”.

“Mas que inferno, eu não conheço esta mulher.”

“Eu sei Arthur, mas não é o suficiente. Tenha paciência.”

“Não posso ir até Lua antes que eu tenha uma prova de que não conheço esta mulher Lucas.”

“ Eu sei Arthur, mas não posso fazer mais do que estou fazendo.”

“Pode sim. Pode conseguir isso num piscar de olhos por baixo dos panos. – ele disse mais irritado”.

“Não é assim que eu trabalho Arthur e sabe disso.”

“ Mas Lucas...”

“Ouça sei que está apaixonado e respeito isso. Mas em primeiro lugar, sua garota deveria ter acreditado em você.”

“Não é tão simples assim...”

“Não estou dizendo que é, apenas estou lhe pedindo calma. Estou fazendo isso por que acredito em você, mas tenho de ouvir coisas que você nem imagina. Chegaram a dizer que meu irmão é gay e está ofendido com uma ligação de uma mulher. Nem todo mundo foi criado como nós, acreditando no amor e na fidelidade Arthur. E se fizermos tudo dentro da lei e você estiver mesmo certo, posso conseguir um processo para Pedro.”

Esta fora a melhor parte da conversa.

“ Não deixe de me avisar”. – Arthur disse derrotado.
“Será a primeira coisa que farei. Agora acalme-se.”

“Certo, Lucas. Obrigado. Tchau.”

Ele desligou.

Quanto tempo mais teria que esperar?

Depois da briga, com raiva, ele quis dizer a si mesmo que era apenas por que ele ainda a desejava, mas logo admitira estar mentindo. Sentia falta do corpo dela, sim. Ardia por ela todas as noites. Lembrar de tudo o que compartilharam lhe tirava dos eixos e das orbitas, mas não era só isso.

Sentia falta da voz dela, do sorriso, até mesmo das reclamações. Daquele jeito decidido e rígido que ela tinha. Sentia falta do rubor que surgia em sua face quando o enlevo de paixão se dissipava e ela percebia o que haviam feito.

Sentia falta dela. Estava apaixonado por ela.

Não. Era mais que paixão, era amor. Amava Lua Blanco e por isso, aquela maldita caixinha de veludo que carregava um solitário caríssimo de diamantes ainda estava em cima de seu criado-mudo. Como se ela fosse aparecer a qualquer instante e cair em seus braços.

Um mês inteiro sem nem ao menos ouvi-la. Ele não estava mais agüentando.
Para Lua não foi muito diferente. Ela enclausurou-se em sua casa e afogou-se no trabalho. Não conversava com ninguém.

A dor lhe corroia.

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